Trusts internacionais: vale a pena para investidores brasileiros?
Com o crescimento do interesse dos brasileiros por investimentos e planejamento patrimonial no exterior, estruturas como os trusts internacionais têm ganhado destaque. Essas ferramentas, comuns em países de tradição jurídica anglo-saxônica, oferecem alternativas para proteção de ativos, planejamento sucessório e eficiência tributária.
No entanto, a adoção de trusts por investidores brasileiros requer uma análise cuidadosa, considerando as particularidades do sistema jurídico nacional e as recentes regulamentações da Receita Federal. Este artigo explora o funcionamento dos trusts, seus benefícios e desafios, especialmente no contexto dos investidores do Brasil.
O que é um trust internacional?
Um trust internacional é uma estrutura jurídica criada quando uma pessoa (chamada de settlor ou instituidor) transfere ativos a um terceiro (trustee), que fica responsável por administrá-los em benefício de um ou mais beneficiários. Essa estrutura é amplamente utilizada em países de common law, como Estados Unidos, Reino Unido, Ilhas Virgens Britânicas, Bahamas e outros paraísos fiscais ou neutros.
Diferentemente de uma holding ou empresa, o trust não possui personalidade jurídica, mas é reconhecido legalmente como um arranjo fiduciário. Os elementos centrais de um trust são:
- Settlor: quem cria o trust e transfere os bens.
- Trustee: quem administra os bens conforme as regras do trust.
- Beneficiários: quem usufrui dos rendimentos ou recebe os bens no futuro.
- Trust deed (escritura de trust): documento que estabelece as regras de funcionamento do trust.
Existem diferentes tipos de trusts, mas os mais comuns para fins patrimoniais são os discretionary trusts, onde o trustee tem certa liberdade para decidir como e quando distribuir os bens aos beneficiários.
Para que serve um trust?
Os trusts são estruturas extremamente versáteis e podem cumprir diferentes funções, dependendo da intenção do settlor. Para investidores brasileiros com patrimônio relevante — especialmente no exterior — os trusts internacionais podem oferecer vantagens como:
Planejamento sucessório internacional
Ao estabelecer um trust, o settlor pode determinar como seus bens serão distribuídos aos herdeiros, evitando disputas familiares e até o processo de inventário. Isso é especialmente útil quando os bens estão em diferentes países, pois o trust pode facilitar a transição sem necessidade de múltiplas homologações judiciais.
Proteção patrimonial
Um trust bem estruturado pode proteger os ativos contra riscos jurídicos, como ações judiciais ou disputas matrimoniais. Desde que não haja fraude ou simulação, os bens que passam para o controle do trustee deixam de estar diretamente no nome do settlor, o que pode oferecer uma camada extra de blindagem.
Organização e perpetuação de patrimônio
Alguns trusts são criados para durar por gerações (dynasty trusts), permitindo que uma família mantenha ativos consolidados e administrados de forma profissional ao longo do tempo, com regras claras para distribuição e reinvestimento.
Potencial eficiência fiscal (em certas jurisdições)
Em alguns países, trusts podem ser usados para diferir impostos ou otimizar a carga tributária, dependendo da estrutura adotada e da residência fiscal dos beneficiários. Para brasileiros, essa vantagem precisa ser analisada com muito cuidado, pois a Receita Federal exige a declaração e pode tributar os rendimentos auferidos no exterior.
Quais os riscos ou desvantagens?
Apesar de suas vantagens, os trusts internacionais não são uma solução mágica — e podem apresentar desvantagens relevantes, especialmente para investidores brasileiros. Veja os principais riscos e cuidados:
Custo elevado
A constituição e manutenção de um trust em uma jurisdição confiável (como Bahamas, Ilhas Virgens Britânicas ou Estados Unidos) pode custar de US$ 5.000 a US$ 20.000 apenas na estruturação inicial, além de taxas anuais com advogados, contadores e trustees — o que torna essa ferramenta mais adequada a patrimônios mais elevados (geralmente acima de US$ 1 milhão).
Complexidade jurídica e fiscal
A legislação brasileira não reconhece expressamente a figura do trust, o que gera insegurança jurídica. Embora a Receita Federal tenha sinalizado em orientações recentes (IN 2.060/2022, por exemplo) como os trusts devem ser declarados, ainda há muitas zonas cinzentas, especialmente quanto à tributação de rendimentos e transferência de bens entre gerações.
Possibilidade de conflito com herdeiros
Se o trust for criado de maneira que prejudique herdeiros necessários ou infrinja a legítima (parte obrigatória da herança no Brasil), há riscos de questionamentos judiciais — inclusive com ações para desconsiderar a estrutura.
Dificuldade de reversão
Uma vez que os bens são transferidos para o trustee, o controle direto do instituidor é perdido. Se o trust não for bem desenhado, ou se houver arrependimento futuro, pode ser difícil (ou até impossível) reaver os ativos diretamente.
Necessidade de assessoria especializada
A estruturação adequada de um trust exige uma equipe multidisciplinar com experiência internacional — incluindo advogados tributaristas, especialistas em sucessão, e consultores com conhecimento em estruturas fiduciárias globais.
Aspectos fiscais e legais no Brasil
Embora os trusts internacionais sejam instrumentos reconhecidos em jurisdições de common law, no Brasil eles não possuem previsão legal específica. Isso gera um cenário de incerteza — mas a Receita Federal tem avançado em sua interpretação sobre como essas estruturas devem ser tratadas no âmbito fiscal. Vamos aos principais pontos:
Declaração no Imposto de Renda
Desde a Instrução Normativa RFB nº 2.060/2022, a Receita passou a exigir que os bens e rendimentos alocados em trusts internacionais sejam declarados pelo beneficiário brasileiro como se estivessem em seu nome diretamente. Ou seja:
- O instituidor (settlor) deve declarar os bens como seus, enquanto estiver vivo e enquanto mantiver controle ou direito sobre eles.
- Após o falecimento ou a perda do controle, os beneficiários brasileiros passam a ser os responsáveis por declarar os ativos recebidos.
- Todos os bens no exterior precisam constar na Declaração de Bens e Direitos do IR, com os respectivos saldos, rendimentos e localização.
Tributação de rendimentos
A Receita entende que os rendimentos gerados dentro do trust (como aluguéis, dividendos ou juros) devem ser tributados como se fossem diretamente recebidos pelo contribuinte brasileiro. Ou seja, mesmo que o valor ainda não tenha sido efetivamente repassado, há exigência de tributar com base no regime de caixa presumido.
Isso pode gerar bitributação se o país onde o trust está sediado também tributar esses rendimentos, e nem todos os países têm acordo de bitributação com o Brasil.
Transmissão causa mortis
Na sucessão, os bens do trust podem ser interpretados como patrimônio transferido ao herdeiro — o que pode gerar a cobrança do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação), mesmo que o trust tenha sido constituído no exterior.
Diversos estados brasileiros, como SP e RJ, têm endurecido a fiscalização sobre patrimônios mantidos em estruturas internacionais.
Quando vale a pena considerar um trust?
Os trusts não são para todos os perfis de investidores. Por envolverem custos, complexidade e riscos regulatórios, seu uso precisa ser bem justificado — especialmente por brasileiros. Ainda assim, há cenários em que essa estrutura pode ser extremamente vantajosa:
Patrimônio relevante no exterior
Para quem já possui ou pretende constituir um patrimônio significativo fora do Brasil (imóveis, ações, contas em dólar, fundos internacionais), o trust pode facilitar a gestão, proteger os ativos e estruturar uma sucessão internacional mais eficiente.
Família internacionalizada
Se os herdeiros vivem em diferentes países, o trust ajuda a centralizar a sucessão e a garantir que os ativos sejam distribuídos conforme regras previamente definidas, independentemente da jurisdição de residência de cada beneficiário.
Desejo de manter o controle da sucessão
O trust permite definir regras específicas sobre quando e como os ativos serão entregues aos beneficiários. Isso evita, por exemplo, que um herdeiro receba tudo de uma vez aos 18 anos ou que o patrimônio seja diluído de forma desorganizada.
Preocupação com proteção patrimonial
Empresários ou profissionais com exposição a riscos judiciais ou empresariais podem usar trusts para proteger parte do patrimônio, desde que respeitem os limites legais e não configurem fraude contra credores.
Planejamento a longo prazo e multigeracional
Trusts são úteis para famílias que pensam em preservar e crescer o patrimônio por várias gerações, com regras claras e administração profissional.
Alternativas aos trusts internacionais
Embora os trusts sejam ferramentas poderosas, nem sempre são a única ou melhor opção para investidores brasileiros. Existem outras estruturas que podem cumprir funções semelhantes, com menor custo e complexidade — especialmente quando o objetivo é proteção patrimonial, sucessão ou organização de bens. Veja algumas alternativas:
🏦 Holding familiar
Criar uma holding patrimonial no Brasil é uma estratégia muito usada para organizar e proteger ativos da família. Com ela, é possível:
- Centralizar imóveis, participações societárias e outros bens;
- Estabelecer regras de governança e distribuição entre herdeiros;
- Reduzir o impacto tributário na sucessão, especialmente com planejamento antecipado.
É uma alternativa bem aceita juridicamente e com custos muito menores do que um trust internacional.
🌍 Offshore com acordo de acionistas
Em vez de um trust, é possível abrir uma empresa offshore em jurisdições como Uruguai, Estados Unidos ou Bahamas, que detenha os ativos internacionais. Por meio de um acordo de acionistas bem elaborado, é possível definir:
- Regras de sucessão;
- Limites de atuação dos herdeiros;
- Participações e cláusulas de saída.
Essa opção pode ter benefícios fiscais, mas exige atenção com a legislação brasileira e a correta declaração no Imposto de Renda.
📝 Testamento com cláusulas específicas
Um testamento bem redigido pode evitar muitos dos conflitos sucessórios que motivam a criação de trusts. Ele permite:
- Incluir cláusulas de usufruto, incomunicabilidade, inalienabilidade;
- Destinar bens com regras específicas;
- Reduzir o risco de brigas familiares, especialmente se combinado com uma conversa clara entre os envolvidos.
Embora não ofereça os mesmos benefícios de proteção patrimonial de um trust, pode ser um passo inicial poderoso, de custo muito mais acessível.
📈 Fundos exclusivos ou estruturados
Para investidores com alto patrimônio, os fundos exclusivos permitem concentrar os ativos financeiros sob uma única estrutura, com gestão profissional, planejamento tributário e sucessório.
É uma alternativa doméstica que também facilita a transição patrimonial e pode funcionar como um “meio termo” entre uma holding e um trust.
Conclusão: Trusts internacionais valem a pena?
Para o investidor brasileiro com patrimônio relevante no exterior, uma estrutura familiar complexa ou objetivos sucessórios claros, os trusts internacionais podem ser uma solução poderosa. Eles oferecem vantagens reais em termos de:
- Planejamento sucessório organizado e multigeracional;
- Proteção patrimonial contra riscos jurídicos;
- Discrição e eficiência administrativa dos ativos.
No entanto, não são estruturas isentas de riscos. Custo elevado, complexidade fiscal e insegurança jurídica no Brasil exigem uma análise criteriosa — feita com apoio de especialistas que dominem tanto a legislação brasileira quanto as regras da jurisdição onde o trust será estabelecido.
Além disso, existem alternativas mais simples e acessíveis que podem atender a maioria dos objetivos de proteção e sucessão de patrimônio — como holdings, testamentos bem elaborados e fundos exclusivos.
Recomendações finais:
– Avalie seu perfil patrimonial: trusts fazem sentido geralmente a partir de US$ 1 milhão em ativos internacionais.
– Consulte um planejador financeiro com visão internacional, aliado a advogados e tributaristas experientes.
– Não ignore as exigências da Receita Federal: declare corretamente e evite riscos fiscais.
– Busque estruturas que respeitem seu perfil de risco, os herdeiros envolvidos e a legislação brasileira.